Por Sander Souza
Sou de uma época na qual o processo de aprendizado era mais difícil. Não tínhamos as informações nas palmas das nossas mãos como ocorre hoje e toda vez que eu precisava buscar uma informação era nos jornais, revistas e nos livros que eu as encontrava. Até mesmo para saber o significado de uma simples palavra eu precisa do auxílio de um livro, no caso o dicionário.
E as dificuldades com as informações não estavam presentes apenas no processo de aprendizado mas podiam ser encontradas também em várias situações do dia a dia, como a consulta de um número de telefone, por exemplo, que exigia a consulta de uma imensa lista telefônica; ou quando precisávamos ir a algum lugar desconhecido, o que exigia o uso de mapas de papel, que eram difíceis de serem manuseados e compreendidos.
Com o desenvolvimento de novos recursos tecnológicos, a vida das pessoas da minha geração ficou facilitada. O acesso à informação e ao conhecimento se tornou mais simples, nos permitindo adquirir novos conhecimentos e expandir o nosso intelecto de forma mais rápida e eficiente. Se antigamente eu carregava um livro na mochila para ler no trajeto ao trabalho, nos últimos anos eu tinha acesso a bibliotecas inteiras através de um simples smartphone.
Eu acredito que as pessoas que aprenderam a pensar antes da era digital foram muito mais beneficiadas pelas novas tecnologias do que as pessoas que já nasceram com todas estas facilidades.
O ponto para mim está na diferença no processo de aprender a pensar. Antes da era digital pessoas como eu eram estimuladas a pensar e a buscar informações num processo racional e lógico, seguindo premissas que guiavam o nosso pensamento. Por exemplo: durante a leitura de um livro, caso a gente se deparasse com uma palavra cujo significado fosse desconhecido, precisávamos usar um dicionário e para tal, precisávamos antes saber como consultá-lo. Ou seja, a informação estava ali nas nossas mãos mas precisávamos saber como extraí-la do dicionário.
Se entregarmos um dicionário físico para uma pessoa nascida na era digital e pedirmos a ela que procure o significado de uma determinada palavra, ela terá imensa dificuldade para encontrá-la, pois não aprendeu o raciocínio lógico necessário para obter esta informação através desta ferramenta.
Sei que muitos podem considerar uma grande bobagem o exemplo que citei, mas usei este exemplo pois hoje há em nossa sociedade muitas pessoas que nada conseguem fazer se não tiverem um smartphone nas mãos ou qualquer outro dispositivo com acesso à internet.
Aliás, basta qualquer apagão para que muita gente não consiga trabalhar ou produzir. Quero deixar claro que não sou contra o uso das novas tecnologias e das ferramentas que elas nos proporcionam, apenas acredito que estamos ficando dependentes demais destes novos dispositivos e, principalmente, estamos perdendo a capacidade de pensar, de raciocinar e de fazer análises críticas a respeito de eventos corriqueiros do nosso dia a dia.
Quantos ainda sabem fazer contas manualmente, sem o uso de uma calculadora? Quantos ainda se preocupam em ter uma boa caligrafia e em saber as regras gramaticais na era dos corretores ortográficos? Eu adorava escrever os meus rascunhos à mão e só parei porque hoje a minha deficiência visual tornou a escrita à mão algo muito difícil pra mim.
Tudo o que estou escrevendo neste artigo se baseia nas minhas vivências diárias com pessoas das mais variadas idades e vejo que as mais jovens são as que mais sentem dificuldades quando são privadas do acesso à tecnologia.
Enquanto nós, mais velhos, sabemos como “nos virar” numa situação sem internet, os jovens se desesperam e agem como se um pedaço deles tivesse sido tirado. A dificuldade de lidar com o mundo ao redor é enorme e, a meu ver, é muito preocupante.
Que tipo de pessoas a sociedade atual está criando? Me parece que estão criando uma sociedade formada de pessoas tecnologicamente dependentes, que acreditam cegamente em tudo o que está na internet e que têm imensa dificuldade em discernir fatos reais de ficção, realidade de fantasia, verdade de mentira.
E estas pessoas, que ironicamente têm à sua disposição um volume de conhecimento impensável tempos atrás, são justamente as que têm se mostrado mais influenciáveis e facilmente manipuláveis. A pandemia da covid-19 deixou isso claro. Qualquer pessoa com o mínimo conhecimento de ciências, Biologia e Medicina não teria se permitido levar pela histeria coletiva que se instalou por conta da doença. E não teriam permitido que governantes se aproveitassem do terror sanitário instalado para suprimir liberdades protegidas pelas leis. Muito menos dariam ouvidos à mídia podre. Aliás, a existência dessa mídia podre é uma prova de como as pessoas estão perdendo a capacidade analítica.
As dificuldades das pessoas de pensar, de obter informação e conhecimento, e de fazer análises críticas, chegando às suas próprias conclusões, são a grande preocupação para todos aqueles que defendem as liberdades pessoais e o futuro da sociedade.
Estamos vendo pautas nefastas sendo implementadas a olhos vistos sem que a maioria das pessoas consiga perceber a malignidade delas. E creio que isso ocorre porque elas perderam a capacidade de raciocínio e de pensamento próprio, assumindo como verdade aquilo que outros dizem ser verdade.
É por isso que muitas pessoas desconhecem hoje os reais significados de conceitos como Democracia e Fascismo, com a maioria das pessoas acreditando nas definições divulgadas por narrativas criadas , por exemplo, pela grande mídia.
A sociedade está repleta de pessoas que não vivem mais sem o Google. Não saem de casa sem antes consultar a internet para saber a previsão do tempo; se querem sair pra comer fora buscam na rede uma indicação, perdendo a experiência de viver o inesperado e de explorar por conta própria novas possibilidades, não apenas gastronômicas, mas em outras áreas também.
Por exemplo, poucos são os que em visita a cidades turísticas saem fora do roteiro de visitação popular e se aventuram por outros lugares, para conhecer lugares poucos explorados e pouco visitados. Alguns alegam questões como a segurança mas a maioria quer mesmo é uma boa foto de recordação, num lugar que todos reconheçam, para colocar em seu perfil no Instagram.
Hoje as pessoas têm medo do desconhecido. Perderam aquela curiosidade que antes era natural e própria do ser humano e que nos levou a grandes avanços. Se hoje estamos neste patamar civilizacional, foi porque no passado as pessoas se permitiram pensar, se permitiram experimentar, se permitiram tentar novas possibilidades, não possuindo limitações aos avanços intelectuais. O ato de pensar fazia parte do cotidiano e as pessoas não tinham quem lhes impedissem de progredir intelectualmente colocando dificuldades disfarçadas de facilidades, como ocorre hoje.
Os pais e as famílias eram responsáveis por transmitir os valores morais e as escolas eram as responsáveis por ensinar a pensar e a adquirir conhecimento. Bibliotecas e outros centros de conhecimento eram locais que ofereciam acesso às mais variadas fontes de conhecimento e não buscavam influenciar as pessoas ou direcionar o conhecimento. Estava tudo lá (ainda está) e bastava que as pessoas escolhessem o que queriam explorar. Mas quem quer se dar o trabalho de pesquisar numa biblioteca, tendo o Google às mãos, mesmo com a experiência intelectual proporcionada pelo ambiente de uma grande biblioteca?
Hoje o Google facilita o acesso à informação mas muitas vezes manipula o conteúdo oferecido, facilitando o acesso a alguns conteúdos e dificultando o acesso a outros, interferindo diretamente no nosso processo de escolha e, desta forma, interferindo também diretamente no conhecimento que adquirimos. Sem escolhas não há liberdade.
É desta maneira que a sociedade vai sendo lentamente moldada segundo planos que certamente não favorecerão a todos. E como podemos reverter isto? Primeiramente reaprendendo a pensar. E para isso o primeiro passo é não permitir que o Google ou outras ferramentas nos digam o que pensar e nem direcionem as nossas ações. Afinal, somos pessoas livres e racionais! Ainda!

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