Por Marcelo Hessel
Roland Emmerich viu e não gostou de Não Olhe para Cima, o que parece muito previsível dado que o cineasta alemão só poderia encarar com desconfiança uma sátira aos filmes-desastres que fizeram sua carreira deslanchar. Essa comparação, de qualquer forma, vem bem a calhar porque é possível entender o novo filme de Emmerich, Moonfall - Ameaça Lunar, como o reverso de Não Olhe para Cima.
Para começar, tudo em Não Olhe para Cima diz respeito ao presente, o que fica expresso nas caricaturas que o filme faz de personalidades, tipo sociais, ricos e políticos que povoam o imaginário americano do século XXI. Já Emmerich tem uma obsessão com o passado, mais especificamente com mitos de fundação, e nesse sentido seu cinema oferece mais uma variedade de arqueologias fantasiosas (Stargate, O Patriota, Anônimo) do que propriamente de eventos de extinção (Godzilla, O Dia Depois de Amanhã, 2012).
Moonfall se inscreve tanto no primeiro quanto no segundo caso. A trama imagina o que aconteceria se nosso satélite natural perdesse sua órbita e se chocasse com a Terra. É a maneira que Emmerich encontrou de subir a dificuldade dos seus filmes-catástrofes, o que parecia impossível depois de 2012. Ao mesmo tempo, Moonfall esboça uma ficção científica espacial que por vezes parece até almejar um certo rigor científico, e por meio dela Emmerich oferece sem pudores uma refundação do sonho americano.
Essa é a distinção central que se pode fazer entre os dois filmes; enquanto Adam McKay adapta sua misantropia ao cinismo do capitalismo tardio em Não Olhe para Cima, este Moonfall advoga para si a responsabilidade de alimentar a velha esperança na humanidade. Emmerich pega emprestado o elemento historicamente mais popular do gênero da ficção científica - a nossa Lua, e seus mistérios - e ao invés de realizar um filme de extinção sombrio (o que estaria em sintonia com os humores da pandemia) joga todas as suas fichas na especulação, crente de que o scifi pode, acima de tudo, apontar para alternativas de futuro.
No filme essa esperança vem acompanhada de nostalgia - não apenas aquela manjada nostalgia do mundo pré-digital (regressão que passa por carros antigos e naves mecânicas e chega até o bendito astrolábio) mas também uma nostalgia de arranjos sociais ideais, refazendo a América como uma terra da oportunidade onde negros e latinos podem também assumir posições de poder, autoridade e status econômico. Ao retornar à conquista da Lua, Emmerich está tentando recuperar um senso de otimismo americano que data da Corrida Espacial dos anos 1950, quando os Baby Boomers herdaram no Pós-Guerra um país em franca prosperidade econômica.
É curioso comparar o elenco multiétnico de Moonfall com aquele de 2012 porque Emmerich parece ter aprendido uma lição importante: fica complicado torcer por personagens no fim do mundo quando não simpatizamos com eles. Ao colocar tipos mesquinhos e superficiais misturados aos mocinhos em 2012, Emmerich propunha uma Arca de Noé no dilúvio pautada por um censo sem julgamentos; ainda havia esperança que todos poderíamos conviver em paz, afinal. Em 2021 a coisa já parece bem distinta, e os escolhidos da vez são todos virtuosos à sua maneira; até o endinheirado latino (Michael Peña) que tomou a esposa de Patrick Wilson se revela rapidamente só um tipo incompreendido.
Ou seja, o mundo da pandemia afeta Emmerich de uma forma parecida como afeta a todos nós: somos impelidos a reviver nostalgicamente um passado ideal em que tudo era mais simples, todo mundo se enchia de boas intenções e elas bastavam. Enquanto Não Olhe para Cima ridiculariza os bilionários megalomaníacos, no personagem inesquecível de Mark Rylance, Moonfall trata textualmente Elon Musk e a Space X como visionários incompreendidos, verdadeiros pioneiros, como os pais da América. Não dá para esperar que Emmerich seja crítico de Musk, porque se o fizesse então todo esse resgate do sonho americano desmoronaria.
No fim, é provável que Emmerich tenha consciência de que a nostalgia é só um castelo de cartas, uma ferramenta narrativa básica que permite conexão imediata com todo tipo de público. Moonfall se torna muito interessante quando vislumbramos nas suas rachaduras uma tendência à melancolia, porque afinal não é um filme feito em 1996 ou em 2012, mas sim numa época em que até o tema do fim do mundo nos parece ultrapassado, já que o vivemos no dia a dia.
Essa melancolia está na esmerada escolha de cores, no belo prateado que a Lua projeta sobre um tsunami, ou no laranja da explosão de um meteorito contra o topo de uma montanha, que com razão os personagens param para assistir. E a melancolia está inscrita também em imagens de pós-apocalipse que carregamos coletivamente na memória, como aquela do Edifício Chrysler que evoca Planeta dos Macacos. De todas as expectativas geradas por este Moonfall, talvez essa seja a mais inesperada: trata-se menos de um pornô de destruição do que de um filme de abstração, que inclusive nas cenas de gravidade negativa convida seus personagens a flutuar e observar, apenas.
Não deixa de ser um desdobramento natural, no fim das contas. Depois de contar três ou quatro catástrofes naturais colossais em sua carreira, nos anos 2020 Emmerich se viu ultrapassado pela realidade, que está longe de ser bombástica como nos seus filmes. Resta então o refúgio na memória e na fantasia, onde o cineasta parece ter encontrado a paz para simplesmente contemplá-las.
Fonte: Omelete

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